sexta-feira, agosto 22, 2025

Ab initio, a Mulher Magistrada Ivone Ferreira Caetano

Com fama de "juíza dura" a magistrada Ivone, tem extrema dedicação em promover parcerias que contemplam as crianças, adolescentes e suas famílias.

Nossa história começa no início dos anos 2000, na Praça XI de Junho – 1ª Vara da Infância, da Juventude e do Idoso na Comarca da Capital do Rio de Janeiro, quando ela se tornou magistrada titular daquela serventia. Mesmo antes de conhecê-la pessoalmente, assim que ela pôs os pés naquele fórum, tive um sonho daqueles reveladores que considero ligados ao significado do meu nome, Kimbangu – as coisas ocultas que os homens não podem ver.

A doutora Ivone chegou com a fama de juíza firme, destemida e muito determinada e, essa fama, assustou muita gente. Nos corredores do fórum, advogados comentavam que a nova juíza era “linha dura” e recomendavam não brincar com ela.

Ao meu ver, era uma mulher classuda, muito séria e muito elegante, mas o que se destacava nela era o olhar penetrante como quem olha as pessoas por dentro em busca das verdades intrínsecas.

Assim um dia precisei despachar e comigo levei minhas duas filhas. Fomos recebidas em seu gabinete e ali havia uma nova faceta daquela mulher poderosa, era ao mesmo tempo profissional, materna, atenciosa e, acima de tudo, comprometida de verdade com os interesses superiores de crianças e adolescentes.

A figura de magistrada “linha dura” se desmoronou pela forma como agia e se dirigia a mim e as minhas meninas, pessoas que ela via pela primeira vez.

Aproveitei a oportunidade e, com todas as ressalvas, juntei coragem, pedi licença e lhe contei o sonho.

Ela, diva, se manteve impecavelmente serena como se nada pudesse lhe abalar. Porém, mais tarde, numa conversa, ela confessou que meu sonho era a realidade daquele momento. Saí de lá grata, reflexiva, finalmente, me sentia agora representada como mulher na área jurídica por aquela juíza de infância, também mulher e preta como eu.

Os anos em que ela permaneceu titular da vara, muitos trabalhos foram realizados. Ela tinha a preocupação sincera em promover direitos sociais, por isso foram geradas parcerias e oportunidades que contemplaram diretamente crianças, adolescentes e suas famílias.

Destaco a Escola de Pais, quando famílias vulneráveis eram chamadas para uma conversa com a equipe técnica do juízo, na qual ela fazia questão de participar dando com sua presença peso ao encontro e, com sua história de vida, chamava os pais à responsabilidade de seus filhos. Outro destaque era a Noite das Debutantes que ficou famosa aqui na Comarca da Capital.

Ocorria assim, ela e sua equipe trabalhavam para propiciar a festa de 15 anos de meninas pobres de comunidades carentes.

A juíza, doutora Ivone Ferreira Caetano, que não pôde ter sua própria festa de 15 anos devido às adversidades da vida e por pertencer à uma família muito pobre composta por onze irmãos, compreendia a importância daquele momento para as meninas e, sobretudo, para seus familiares.

E através de boas parcerias, conseguia de tudo para realizar o evento: casas de festas luxuosas, como por exemplo, o Salão Nobre do Fluminense na zona sul; o buffet completo; os vestidos das debutantes; maquiadores; cabeleireiros; enfim, tudo para uma menina que, se não fosse essa ação, talvez, jamais pudesse ter sua festa de 15 anos registrada na memória.

O ponto alto da festa era que a titular, assim como as meninas, se vestia de debutante e dançava a valsa também, mostrando a todos, como sempre fala, a sua “cara preta” para que aquelas meninas, seus pais e parentes, pudessem compreender que sonhos se realizam e que essas meninas deveriam sonhar com um mundo melhor para elas.

No meu ponto de vista, aquela atitude era a possibilidade inconsciente da realização do resgate dos seus próprios 15 anos, pois através daquela ação era possível voltar no tempo e comemorar várias vezes, já que na época não havia a menor condição financeira para ela quando adolescente.

E quando perguntavam o motivo de tanto luxo, dizia: “Vocês acham que eu vou fazer qualquer festa para essas meninas?!” Fantástica! Outra característica marcante eram as audiências.

Quando sentada à mesa a magistrada parecia uma espécie de entidade, austera, incisiva e esticada. Parecia que ali nada passava despercebido daquele olhar forte, tanto que quando algo parecia contradizente, era precisa, cirúrgica e imediatamente “chamava o feito à ordem” com toda elegância e firmeza.

Uma das frases marcantes e mais usadas para situar mães displicentes durante as audiências era: “Mulher tem que ter útero forte! Eu nasci de um útero forte, nasci de Dona Josepha!”

Em 2012, foi homenageada na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro com a maior honraria do Parlamento Fluminense: a Medalha Tiradentes.

Um dia, numa conversa, falei que esperava sua promoção à desembargadora e completei: “A senhora precisa ir, porque assim irei eu, meus pais, minhas filhas, nossa gente!”

E depois de 18 anos de exercício na magistratura, dedicados quase que exclusivamente à competência da Infância e Juventude, em 2014, Dra. Ivone Ferreira Caetano foi elevada à desembargadora no TJRJ. Aposentada, retornou para a advocacia, Diretora da Comissão da Igualdade Racial da OAB/RJ e, com muito orgulho, minha colega.

E, como não poderia deixar de ser, em novembro de 2014, através de uma construção coletiva de mulheres advogadas – destaco aqui a professora e advogada, Dra. Karla Lima – e mulheres do movimento negro, a desembargadora se tornou “Medalha Viva”, foi a inspiração para a criação e incorporação pela seccional como Medalha de Honra Des.

Ivone Ferreira Caetano, que recebeu a alcunha de Rosa Negra e, devo ressaltar que no lançamento, repleto de várias autoridades, esta advogada teve a honra de ser a apresentadora do evento.

Mas, a história da magistrada não finda aqui. Ela acaba de lançar um livro com a história de sua vida, *Rosa Negra – Retalhos de Uma Trajetória de Superação que, de fato, considero superação pela riqueza da história.

Em todos esses eventos importantes protagonizados pela nossa querida magistrada, estivemos presentes minhas filhas e eu com muita satisfação. Fico muito feliz que na semana em que o mundo comemora o Dia Internacional da Mulher, posso trazer aqui uma mulher desse quilate, desse valor.

E isso é só um pouco de Ivone Ferreira Caetano.

Brasil, Rio de Janeiro, sexta-feira, 12 de março de 2021.

EMERJ – Escola da Magistratura do estado do Rio de Janeiro

OAB/RJ – Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Rio de Janeiro
https://www.rosanegrabiografia.com/

Esse post representa a opinião do colunista e não necessariamente a opinião do Kpacit.

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